*notas*
me lembrar, com frequência, que sou aquilo que consumo. não “sou”, mas performo aquilo que consumo. percebo que preciso dar uma pausa. eu e mais tantas pessoas em busca de algo que parece tão fácil, mas ao mesmo tempo tão desafiador: ficar longe das redes sociais. eu, há dias rolando o feed do instagram. decido parar. deleto o aplicativo. mais uma vez. preciso de detox.
sinto que temos que falar mais sobre nossos hábitos podres pós-modernos na nossa literatura. pois isso é história. um marco, que, quando visto do futuro, mostrará uma grande mudança na sociedade, o uso massificado do celular e como isso mudou até mesmo a forma de se sentir, se relacionar, consumir… vivemos uma mudança drástica e nem nos demos conta. mas nosso corpo percebeu. nosso corpo analógico está em colapso.
esse é um grande ponto de virada na história. lembro de ter 15 anos e ficar me lamentando por não viver em um período marcante da história. queria ter participado da geração beat. queria ter usado lsd no woodstock. tudo de importante parecia ter acontecido no passado. quando nós, millenials, éramos adolescentes, não parecia estar ocorrendo nada de tão importante no mundo. mas, além de guerras, não percebíamos que estávamos no meio de um boom tecnológico que mudaria completamente a nossa vida no futuro. lembra quando te falavam que precisava passar em uma boa faculdade (e escolher algo que fosse seguro como direito ou medicina) para ter sucesso na vida? pois é. a gente viu na nossa frente isso tudo se dissolver e qualquer segurança, também. de repente tudo parecia implicitamente possível. contanto que a gente se esforçasse.
os marcos do nosso tempo são guerras, tecnologias exacerbadas, hiperconectividade e COVID. um combo assustador de mudanças, se formos pesquisar todas elas a fundo. é típico não entender tão bem o que se está vivendo no momento que se está vivendo.
mas confesso achar extremamente chocante que mudamos toda nossa vida por causa da internet e smartphones. quase todos nossos valores foram postos em cheque. cada forma nossa de relação mudou. se tornou mais solitária e imaginária. até o trabalho se tornou menos palpável. postar para o algoritmo. coisas - muitas - que nem existiam tempos atrás e que nos fazem sofrer tanto.
metade das publicações que vejo aqui são de pessoas falando o quanto gostariam de deletar o instagram, mas que tem medo de deletar e isso influenciar em suas rendas. ou relatos vitoriosos de pessoas que estão sem instagram há um ano (ou meses ou semanas) e pasmem: elas descobriram que continuam vivas, ou melhor, ainda mais vivas sem o vício na rede. eu mesma sou uma dessas pessoas. e eu penso no quão doentio isso é. no quão viciante uma rede pode ser a ponto de conectarmos nossa saúde mental a ela e até a nossa saúde financeira! chegamos ao ponto de ter que fazer uma intervenção em nós mesmos para deletar o aplicativo por um tempo, parar de rolar o feed e buscar algo que seja verdadeiro e que não nos faça sentir tanta angústia…
o novo ao qual tanto nos apegamos. anos de vício sendo construídos. a mão sempre segurando o celular, como se sua vida dependesse dele. e, talvez, dependa. essa nova vida ao qual todos, obedientemente, resolvemos viver. tão efêmera quanto a realidade passada que julgamos ser eterna. experimentos do neoliberalismo que enxergamos como liberdade conquistada, mas é outra coisa, qualquer outra coisa que não liberdade. o mais novo consumo, cada vez mais especializado, direcionado, ultra valorizado.
percebo um movimento, um pedido de socorro, de muitos humanos cansados, esgotados. percebemos que as promessas eram vazias. que nos entregaram algo intragável. e aí, queremos sair dessa roda que nos colocaram, mas parece que fomos longe demais? será que se eu comprar uma máquina de escrever, abandonar o celular, eu vou ser mais feliz? ou serei ainda mais solitária quando me faltar a dopamina diária pré-fabricada por algoritmos que não se preocupam com nosso bem-estar?
esses dias uma amiga me falou que minha arte não era muito instagramável. mas eu quero que ela seja? eu quero mesmo tirar tudo dela para que ela caiba em uma rede social e se perca no meio do restante do barulho? enxergo isso como algo tão mais sagrado. nesse momento, não é mais sobre dinheiro. a arte precisa de um lugar seguro para sair, principalmente depois de tantos anos presa. ela quer apenas se esgueirar para fora de mim, respirar o seu primeiro ar, chorar e berrar.
e nesse lugar de choro e berro, não há beleza instagramável (eu ainda acho bizarro que exista termos tão conhecidos por nós e ao mesmo tempo tão recentes, efêmeros… e ainda assim vemos como algo tão real), mas há beleza vital. há o tempo real das coisas. um tempo lento, costurado à mão.
me pergunto: tudo precisa ser vendido? mostrado? desvalorizado pela precariedade funesta do livre mercado?
até que ponto entrar no mar para não se afogar? no que nos afogaremos, especificamente, se decidirmos escolher o oposto? um oposto que não seja o outro lado da moeda. um oposto que não parece existir, mas que poderá ser imaginado. um oposto que começa em um imaginário criativo e nunca termina, apenas se manifesta, vagarosamente, pela vida diferente que escolhemos viver?
prefiro confiar que é mentira que há uma só maneira de fazer as coisas e ela seja fazer o que todos estão fazendo, do jeito que estão fazendo. mas eu não quero sofrer por engano alheio. quero encontrar com meu próprio engano. encontrar meu próprio jeito de errar e acertar. quero criar algo tão diferente que parecerá loucura. quero desvincular meu valor a partir do que produzo para uma rede social. quero me conectar com a vida em suas nuances de carne e osso e espirituais. grandes máquinas não satisfazem o que tem de mais precioso. a minha alma quer outra coisa. e ela sabe melhor do que eu o que é.
sei que são justamente nesses períodos de mudança que grupos distintos de pessoas começam a achar tudo sem graça, tudo igual. intuitivamente, elas sentem e preveem a mudança eminente, mas não sabem como se expressar. elas buscam alguém que faça isso por elas. basta uma pessoa se mostrar de forma real, autêntica, diferente - genuinamente - que isso cria uma abertura para que se criem movimentos e expressões mais diversas e pessoas queiram se juntar.
e eu tenho percebido que esse desgosto pela vida, essa ansiedade, essa angústia generalizada, essa tentativa de entrar em uma rehab para nosso vício em tela, em scroll, em saber da vida do outro, nada mais é do que uma urgência em fazer diferente. e eu já posso sentir esse cheiro agridoce da mudança. a exaustão provocando um efeito rebote, uma necessidade grandiosa de buscar um certo conforto, alento.
eu vejo que é justamente no desconforto que sentimos a necessidade de permitir que nossa criatividade e estranheza ganhem vida, pois é objetivamente isso que produz o novo. e muitas, muitas pessoas estão sedentas por isso. eu estou sedenta por isso. eu estou sedenta por abandonar meus vícios e encontrar uma maneira saudável de fazer as coisas.
e o novo, meu amor, o novo possui profundidade. porque do raso, estamos fartos, cheios, submersos.
haverá rejeição de alguns, como sempre há quando se tem algo novo. mas aqueles que sentem a necessidade dessa nova realidade, serão fãs barulhentos. intensos. profundos. imersos. nadando em conjunto. dançando, do fundo do oceano, cada vez mais prontos para submergir e recitar em voz alta seus textos proféticos do novo mundo.
alguns rirão. outros ficarão atentos a promessa.
com amor,
camila.
Tenho tentado me livrar dos meus vícios alienantes e tóxico, trocando por vícios que me ajudem a crescer, como leitura, filmes e tentando retornar a escrita.
A criatividade me abandonou faz tempo, mas ando tentando reencontra-lá para sobreviver ao caos.
Texto maravilhoso. Eu e meu namorado, estávamos falando sobre isso. Ele parecia triste e perguntei o motivo. E bom, a resposta foi a ansiedade que as redes sociais impacta na vida dele. E neste pensamento temos a sensação que sempre a grama do vizinho é a mais verde. Excelente texto, não pare de escrever, irei ler todos os seus textos.